quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Princípios da Reconstrução Religiosa Celta

Texto muito bom, uma tradução excelente de nossa parceira Renata Gueiros do "Saindo da bruma"...confiram

ALEXEI KONDRATIEV'S LOREKEEPERS COURSE 1.0 Faixa Três – Seção Um – A Princípios da Reconstrução Religiosa Celta



 Os antigos celtas usavam a escrita com moderação, e nunca para fazer registros mais detalhados de suas crenças e práticas religiosas. Isso significa que a Idade do Ferro celta não nos deixou nenhum legado comparável aos Vedas na Índia, o Avesta na Pérsia, ou mesmo as Tabuletas Iguvinas na Itália. Alguns escritores foram levados a afirmar, por essa falta de registro de escritos específicos, que nada pode ser conhecido da religião céltica. Entretanto, tal avaliação é prematura. Há, na verdade, um grande corpo de evidências disponíveis que referem direta ou indiretamente às tradições religiosas dos celtas. Nas palavras do arqueólogo Barry Cunliffe: "Pode-se bem dizer que há mais, variada, evidência para a religião céltica do que para qualquer outro aspecto da vida celta. O único problema é ser capaz de reuni-las numa forma sistemática que não simplifique demais a intrincada textura de seus detalhes." (_The Ancient Celts_ (1997) p. 183). O campo da religião céltica pode de fato ser descrito como um vasto e desmontado quebra cabeças feito de um enorme número de peças. Ninguém sabe com certeza como o quadro final se pareceria, nem ninguém pode estar certo de que todas as peças estão disponíveis. O desafio inicial é identificar quais peças realmente pertencem ao quebra cabeças: este primeiro estágio foi uma das maiores preocupações dos estudiosos célticos durante o século passado. No próximo estágio, é feita uma tentativa de encaixar as peças. Eventualmente, assim que mais e mais evidências caem em seus lugares, surgem padrões gerais, fornecendo um vislumbre da imagem inteira.




 No intuito de prosseguir com o longo e difícil trabalho de reconstruir a religião céltica pré-cristã, precisamos primeiro estabelecer quais fontes podemos consultar para obter evidência relevante ao assunto. De modo geral, há cinco tipos de fontes que serão de utilidade para nós. Cada uma delas oferece vantagens particulares, mas também apresentam certas dificuldades em avaliar a evidência que encontramos lá. Iremos examinar aqui as vantagens e desvantagens inerentes em cada um desses cinco corpos de evidência, por vez:

1. Escritores Clássicos

 Começando no 6º século A.E.C., escritores gregos fizeram menção ao povo que chamaram Keltoi ou Galatai, que vivia ao norte e ao oeste deles. Inicialmente essas descrições eram superficiais e confusas, mas à medida que os gregos estabeleceram colônias ao longo do ocidente mediterrânico eles começaram a negociar ativamente com os celtas, e seus relatos se tornaram mais abundantes e detalhados. Quando, no final do 5º século A.E.C., grande número de celtas gauleses, fugindo da superpopulação e instabilidade política em sua terra natal próxima ao Reno, invadiram o norte da Itália e estabeleceram assentamentos ali, a civilização celta entrou em um foco ainda mais aguçado para os povos letrados do Mediterrâneo. À medida que os celtas começaram a se engajar em mais e mais interação política com seus vizinhos sulistas, escritores gregos e romanos os incluíram em suas histórias. Por volta da virada do 1º século A.E.C., Posidonius de Apamaea, um estóico filósofo grego da Síria, escreveu um extenso relato da cultura celta que não sobreviveu, mas que foi liberalmente citado por posteriores gregos estóicos como Diodoro Sículo, Ateneu e Estrabão, assim como escritores latinos como Pompônio Mela. Os conflitos romanos com os celtas na Itália (assim como a expansão romana na Gália) levaram outros escritores latinos a mostrarem interesse nos assuntos célticos. O historiador Tito Livio (que aparentemente seria ele mesmo de descendência celta), escrevendo no 1º século A.E.C., deu muito espaço em seus escritos aos conflitos iniciais entre romanos e celtas e pode ter incluído alguns itens da tradição gaulesa genuína, acessíveis a ele através de seu background étnico. E, claro, seu contemporâneo mais velho, Júlio César, o principal arquiteto da tomada romana das terras célticas, nos deixou um emocionante relato de sua campanha, completo com descrições detalhadas do povo que ele conquistou. Estas são apenas algumas das fontes mais conhecidas: ‘petiscos’ do conhecimento celta podem mostrar-se em quase todos os lugares na literatura grega e latina, às vezes nos locais mais improváveis. Na verdade, alguém poderia dizer que o todo da literatura clássica entre os séculos 4º A.E.C. e 4º E.C. é permeado com alusões à história e costumes celtas.

 A vantagem dessas fontes é que elas são contemporâneas às civilizações que descrevem. A maioria delas é baseada, em algum ponto ou em outro, em relatórios de testemunhas oculares. Elas lidam com um povo vivendo em proximidade ao mundo clássico, não um povo meio-fabuloso de um lugar distante; então há menos probabilidade de que a completa fantasia tenha se infiltrado nos relatos. Eles parecem representar um quadro consistente de como os celtas se pareciam aos gregos e romanos.

 Porém, este último fato aponta para uma das ressalvas que devemos ter em mente quando consultamos as fontes clássicas. Os escritores antigos que observaram os celtas eram estrangeiros à cultura céltica. Eles notaram como os celtas se comportavam, mas não necessariamente entendiam as motivações por trás do comportamento, e as interpretações que eles fornecem podem estar muito aquém de qualquer coisa que os celtas teriam concebido de si próprios. Uma vez que muitos deles viam os celtas primariamente como uma ameaça -- um povo com uma mentalidade alienígena e habilidades militares altamente desenvolvidas, prontas para destruir cidades pacíficas – eles tendiam a retratá-los de uma forma um tanto sinistra. Aqueles (como César) que estavam diretamente envolvidos em guerras contra os celtas haveriam de ter razão em exagerar esse elemento ameaçador, simplesmente para justificar suas próprias campanhas. Por outro lado, os já mencionados escritores estóicos podem ter projetado idéias *positivas* igualmente errôneas sobre os celtas: eles os viam como “crianças da natureza”, e retrataram os Druidas como sábios filófosos naturais, iluminados não pelo aprendizado civilizado, mas pela influência direta da Natureza, como o teria a teoria estóica. Não é provável que isso reflita a real auto-imagem e motivação dos Druidas.

 Interpretar as fontes clássicas irá deste modo requerir que se esteja consciente de que elas podem conter interpretações distorcidas, embora aceitando que, em um nível de descrição superficial, elas tendam a ser altamente precisas. Não há razão para dispensar tudo que tenha sido escrito pelos “inimigos dos celtas”. Embora muitos escritores clássicos (especialmente romanos) exibam em seus relatos um viés negativo dos costumes célticos, eles teriam ganhado pouco por mentirem inteiramente, quando tanto do que disseram poderia ter sido tão facilmente verificável. Seus erros e falsas suposições são mais sutis na natureza, e deveriam ser avaliadas com o apoio de um bom conhecimento da cultura grega e romana – como eles viam a virtude e o vício, por exemplo, o que não necessariamente teria correspondido ao entendimento celta de tais coisas.

 Por Alexei Kondratiev Copyright © 2010 Todos os Direitos Reservados

 Retirado de: http://www.celtic-nation.org/Lorekeeper_3-1a.htm

 Tradução: Renata Gueiros

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